A Tourada
Estes eram os
amigos que, arranjara segundo a roda das probabilidades do destino. E, a minha
vida, rodou com a deles e a deles com a minha numa simbiose. Era o tempo, da
descontração e da irresponsabilidade rodando lado a lado. Quando juntos, se um
dizia mata, os outros diziam esfola, e para reforçar o que digo, vou contar uma
história que, ainda hoje me faz saltar gargalhadas bem estridentes. Corria o
ano de mil novecentos e cinquenta e seis. Um dia, estavamos a malta todos reunidos
no Gelo e há um que salta com esta? E se a malta realizasse uma tourada! Os
outros riram-se numa espécie de gozo. Parecia uma proposta sem cabimento, mas
enganas-te! Pois no ano anterior, tinham estado em Luanda, toiros e toureiros
para a realização de corridas na praça de Luanda, ali mesmo à estrada de
Catete. Após um tempo de reflecção; todos responderam; e à uma perguntaram
estamos à espera de quê! A partir daquele dia, não se falava de outro assunto e
a coisa começou a tomar forma. Primeiro lentamente, depois num crescendo. O
primeiro empurrão, foi dado pelo amigo Araújo, como era ele que, compunha as
chapas para a feitura do Diário de Luanda, ele próprio garantiu ali mesmo a
publicidade da mesma. Vencida a força da inércia, galopou-se por ali acima até
à realização da corrida. Acho um feito extraordinário, pela simples razão de, à
partida nenhum de nós ter dinheiro, nem para pensar, quanto mais realizá-la,
éramos todos uns tesos. Mas realizou-se! A que preço? Vamos ver. Segundo
empurrão, o Peralta, como tinha aquela voz de falsete tão comum nos cantores
líricos, pois essa característica serviu-lhe às mil maravilhas para, de mansinho,
dar a volta ao padre Pereira administrador duma rádio local, venceu-nos
praticamente todos os obstáculos de cariz burocrático. Autorização da Câmara
Municipal, da Inspeção de Espetáculos e das Obras Públicas para a autorização.
O grupo sabia exatamente que, no ano anterior estiveram em Luanda dois
toureiros que, na altura estavam no Top, eram eles, o Manuel dos Santos e o
Diamantino Viseu, Sabíamos exatamente onde os touros se encontravam. Estes que,
ao contrário dos outros costumam ser abatidos após as lides, foram comprados
por um criador de gado que, tinha uma fazenda em Caquila para os lados de
Calumbo para cobrição? Era o dono duma grande padaria, que dava pelo nome de
Lafões muito conhecida ao tempo em Luanda. Depois de conversações com ele,
concedeu os touros para a dita corrida. Este facto causou grande animação entre
a malta que, bebeu uns copos para comemorar. Foi de facto um grande pontapé de
saída. E tão bom foi, que o Araújo fez para impressão no Diário de Luanda, o
primeiro anúncio referente à dita corrida, o que deu origem a que, o assunto
que estava em privado, na posse de meia dúzia de amigos, passou para rua e o
assunto começou a ser badalado em toda a Luanda, num crescendo que não mais
abrandou. A inspeção dos espetáculos, já tinha dado autorização provisória. As
Obras Públicas exigiam uma carga nas bancadas, para as poder testar. Este
pormenor, foi um contratempo, mas durou
pouco. O suficiente para o Peralta com a tal vozinha de falsete contatar, com a
cimenteira e que foi positivo, tornou possível, levá-los a disponibilizarem a
tonelagem de sacos necessária, para testar as ditas bancadas, a mão de obra fomos
nós. Assente nas OP o dia da inspeção, foi complicado e Foi um dia de trabalho
intenso. Com a praça aprovada, foi um corrupio até à data da sua apresentação.
A publicidade pelas ruas de Luanda, começou principalmente às horas de ponta,
com posters e musica. O Diário de Luanda com as suas caixas, os treinos com o
carrinho simulador do touro eram constantes. O António, o Dinares eram os
toureiros oficiais da corrida. Isto é os cabeças de cartaz eram uns amadores,
mas o gosto estava-lhe bem entranhado no sangue, pele sua origem no Ribatejo. O
António antes da tourada sonhava! Hei-de levantar aquela praça, ou será um
fiasco, e para tal vou começar com uma torneada tipo chcuelina de joelhos, que
vai ficar na memória. O Dinares dizia o mesmo! Andaram empolgados até à data da
mesma. Eu era um peão tipo de brega mas para ser franco não percebia patavina
de termos tauromáquicos. E depois os meios
que via no terreno, me ultrapassavam éramos todos uns tesos E eu me admirava de
todo aquele aparato! Tinha vinte anos, estava bem embrenhado no êxito da coisa.
E já que chegara até aqui não era homem pra desistir agora. Coube-me, ir com
mais dois a Caquila nas vésperas da tourada buscar os touros. Eram seis que,
foram metidos nos currais da praça. Por conversa dos irmãos Peres apercebi-me
que havia, qualquer coisa que não jogava bem. Mas, como era amigo deles, nem
sequer pensei em traí-los, acompanhei-os até ao fim. Apercebi-me também que,
dos entusiastas iniciais, alguns, ficaram pelo caminho, no grupo e na parte
final, estavam só, os ferrenhos os aficionados, e assim correu tudo até ao dia
da tourada. No dia da grande festa, o povo começou a chegar e a entrar, a
moldura se foi compondo, A polícia que, como é praxe em todos estes espetáculos
lá estava, como manda a lei. De vez em quando, alguém ligado às bilheteiras
pedia a este ou àquele para guardar dinheiro, dezassete contos da primeira vez,
e mais doze da segunda, foram as importâncias das quais fui fiel depositário
até ao fim da corrida. Acentuavam que, era para não estar tanto dinheiro nas
bilheteiras. E a praça encheu! Dera de receita, à volta de cento e cinquenta contos, contas feitas antes. A tourada começou
com aquele toque de clarim tão tradicional neste tipo de eventos, e o primeiro
toiro saiu! Saiu e empolgou o público. O António entrou e tal como tinha
prometido, começou a andar com aquele andar enviesado e gingão tão
característico dos toureiros e dizia! Toiro é toiro, e repetia, toiro é toiro,
cabrão e tanto chamou nomes ao animal que, este furioso, lhe fez a vontade e
veio. Baixou os cornos e o rapaz ali á sua frente, de joelhos como prometera,
naquele momento reconheci ao António um alto grau de coragem. Mas as coisas, se
precipitaram e o António, nem tempo teve de se levantar, pois o touro lhe fez
esse favor. Correu para ele de cabeça baixa, e lhe enfiou um corno não sei
como, pois as calças de toureiro são bem curtas e justas como sabeis, o corno
entra-lhe pela perneira do lado direito, o Peres coitado, sem saber como, é
elevado a uma altura de dois metros, rebolando no ar como se fosse um brinquedo
com o qual o toiro se dava ao luxo de brincar. De repente, baixou a cabeça com
o António pendurado pela dita perneira, e sacudiu-o violentamente contra o
solo, os capeadores se aproximaram tentando captar a atenção do quadrupede,
afim deste, largar o António o que aconteceu. Coitado do António, ficou muito
combalido. Mas pensas que se deu por vencido? Nem pensar. E no meio da arena,
branco como a cal, incitou o toiro novamente! Ele novamente lhe fez a vontade!
E avançou violento. O António já sem a perneira das calças aguardou o toiro com
aquele trejeito tão característico nos toureiros cabeça baixa, compenetrado e
centésimos de segundos antes do embate com o toiro o António fez uma torneada
ao longo do corpo do animal, saindo de seguida com aquele ar esticado e
estriado de desprezo para com o quadrúpede que, a poucos metros, olhava para
ele, incrédulo, mas sem poder de reação. Que linda Verónica, foi aqui que o
António arrancou daquele público que parecia de pedra uma reação e foi
amplamente aplaudido. Bem o mereceu, continuou na lide fazendo ainda lanços, de
bom recorte até ao fim da sua faena. Seguiu-se-lhe o Dinares que no primeiro
embate com bicho levou tal porrada que quase desmaiou. Mas tal como o Lena,
continuou e brilhou com uma série de passes de boa feitura, seguiu-se uma pega
de caras capitaneada pelo Cois bem sucedida. Aqui foi convidado um espectador
para uma pega. Mas apareceram muitos, tanto que à conta disso se consumiu largo
tempo. Foi neste lapso de tempo que, estranhas movimentações nos bastidores se
tornaram claras, um dos irmãos Lenas se aproximou e me pediu o dinheiro que,
previamente me fora confiado, vinte e nove contos que passei para as suas mãos.
De repente se instalou a confusão, pois a toirada deixou de ter seguimento,
todos olhavam uns para os outros, sem saber o que estava a acontecer, foi o
caos, e dele cada um se livrou á sua maneira. Foi a última leviandade da minha
juventude! Nos dias que se seguiram, apurei que dos irmãos Lenas nem sombras.
Eclipsaram-se desde aquele dia à noite, diz-me o Amorim dono da pensão onde
todos estávamos hospedados? Soares o Lena pagou-lhe três mesadas! E o Amorim
recebeu? Disse-lhe? Amorim, ainda vamos ter problemas. A realização do evento,
devia de ter arrastado o envolvimento de muito capital, se de nós ninguém tinha
tais importâncias alguém as pusera em jogo por nós, por isso estavam problemas
em suspenso. De todos os que se reuniam no gelo, onde tudo se organizara, foram
todos chamados à polícia. Ameaçaram de expulsão os implicados. Que pena não os
terem expulsado a todos. A mim, ter-me-iam poupado aos horrores a que assisti,
e dos quais escapei, ainda hoje não sabendo muito bem como. Mas rapidamente
chegaram à conclusão que, a haver premeditação no ato, o fora por aqueles que,
abandonaram Luanda providos das importâncias apuradas. Naquele tempo, cento e
cinquenta e tal contos era mesmo muito dinheiro. Quando dois meses depois
apareceram em Luanda, foram de facto presos e expulsos da colónia. Nunca mais os
vi. Depois desta cena assentei! E durante dois anos, o dever cívico me chamou,
e fui servir o estado para a Escola de Quadros do Exercito no Huambo