Foi nesta zona remota de Angola entre Tombua e a Baía do Tigres que conheci o sr.Simão Toco o Patriarca de Angola foi perseguido até à exaustão pelo governo colonial. Estava ele preso com a família no Farol da Ponta Albina em pleno deserto do Namive.
terras desertas e inóspitas.
*O farol da Ponta Albina albergava lá um hóspede de peso, era em simultâneo
faroleiro e preso ao mesmo tempo. Era muito falado nos meios militares.
Paradoxo dos paradoxos, mas Angola ao tempo era rica em paradoxos. A criatura
para ali estava com toda a sua família naquela imensidão e ainda por cima com
mordomias do estado. Viemos a saber depois que se tratava do Sr. Simão Toco e
sua família, este senhor era nem mais nem menos que um poderoso patriarca religioso
que, aglutinava ao tempo milhares e milhares de seguidores, praticamente em
todo o norte de Angola, e até para lá da fronteira pois os povos das duas zonas
eram os mesmos Quicongos. Logo o senhor era perigoso. Assim estivera preso no
Congo Kinchasa na prisão de Ndolo, que o devolveu ao governo colonial
português. Que o manteve sempre preso mas sempre com mordomias. Bembe colonato
do Vale do Loge, Caconda Huila, jau, Cassinga,e finalmente no farol da Ponta
Albina. Quem estava em Angola ao tempo sabia bem o que era o tocoismo. O que é
curioso é que o homem estando preso, era em simultâneo uma espécie de
funcionário do estado português. Com a categoria de faroleiro. Os mantimentos
faziam-se-lhe chegar da seguinte maneira. No período das marés e em plena
vazante, o jipão fazia-se à praia e era vê-los com o prego a fundo a calcorrear
a distância que separava Porto Alexandre da Ponta Albina onde estava o farol. O
cabelo flanava qual bandeira em desfralda, o peito ao léu recebia os ventos
marítimos como um bálsamo, contrariando o ar seco e abafadiço do deserto; foram
tempos de vida em desgaste constante, diziam que o clima tropical carregava
dois anos em um na fisionomia das pessoas, mas nunca acreditei. As trocas eram
feitas e raramente se podia fazer a viagem de regresso na mesma vazante
esperando pois pela seguinte. O homem à despedida abria-se-nos, num sorriso
franco, e bom. Na passagem por esta vila piscatória de Porto Alexandre hoje
Tombua não o esquecerei nunca, aquilo que me estava reservado. Tinha havido
aqui uma pequena sublevação, como era natural, direi eu! Nada trava os ventos
da história. Nem o oceano aquático, e tão pouco o arenoso que, rodeavam toda
esta zona. Tal e qual como o pensamento, que não é devassável por nada nem
ninguém. E tanto para primeiro, como para o segundo caso, só tens que suportar
as consequências! É por isso que foram postos ao dispor dos tiranos tantos
meios de tortura, e estavam aqui sendo utilizados como constatei esta noite,
calhou-me estar de sentinela à prisão. Os presos coitados, tinham sido muito
maltratados, isto é! Vergastados administrativamente. Um deles que, talvez
fosse o cabecilha tinha todo o corpo numa chaga. Foda-se! Isto não se fazia. Os
gemidos dele me impressionaram, pediam-me em monólogos piedosos, dizendo algo
relacionado com Deus. Pediam-me isso num tom de voz indiscritível que deixasse
o irmão vir cá para fora. Meu Deus. Digo eu! Porque me castigas deste jeito! Já
que a tortura também me atingiu a mim. Apeteceu-me abrir a porta e deixá-los
fugir a todos mas naquele tempo podia ser eu também massacrado. Como com a
minha vontade, nada podia alterar! E como não me podia manifestar contra o que
via, pedi-lhe a todos desculpa em nome de Deus e afastei-me. Passeei
praticamente toda a noite pela praia que, ficava a escassos metros do barracão
prisional. Deu-me vontade de chorar e andei para trás, para a frente, para trás
para a frente! Vi nisto e noutros casos idênticos crimes contra a humanidade.
Quando o dia nasceu, os pinguins como mordomos passeavam na areia com aquele ar
galante, alheios ao drama, as focas rebolavam na fraca rebentação da zona com
aquele som cavernoso tão seu característico, indiferentes aos dramas que,
varriam aquele território de norte a sul.