O Pinto e eu a cada um seu contratempo
Vou aqui narrar como a vida de uma pessoa pode ficar em suspenso por minutos. Fins de Setembro de 1975. A escasso mês e meio da independência de Angola. Tinha saído do serviço da cervejeira onde trabalhava do turno das OOHO5 ás 13HOO! O Prado Pain cidadão angolano, indivíduo culto, bem mais do que eu, pois tinha o curso dos liceus dirigiu-se-me! Em conversas abertas com ele sabia que, o Pinto da LAL, como era conhecido em toda Luanda, se tinha ido embora para Portugal.A casa dele estava agora abandonada e com as chaves na porta na rua das Beiras nº 72. Em conversas anteriores ele me demandara se ele deixara lá alguma estante? Ao que eu lhe respondera que tinha estante e das boas e até tinha umas colecções de livros, demandou-me se lha queria vender? Respondi-lhe; Pain aquilo não é meu é do primeiro angolano que tomar conta da casa por isso por mim, podes lá ir buscar a estante quando quiseres e o que quiseres anui! Naquela situação eu ficara como que uma espécie de procurador.Pediu-me para ir com ele ao que eu acedi. E lá nos metemos no carro dele pusemo-nos a caminho. Logo que desembocámos na rua de Francisco Newton começamos a descer a via até á passagem de nível duzentos metros abaixo. Aqui o Pain me pôs uma questão? Questão essa, fora dos meus hábitos pelo à vontade com que, ainda circulava por Luanda, prudente mas à vontade. A pergunta resumia-se ao seguinte: Soares quer ir pela Avenida do Brasil, ou por aqui pela estação do Musseque! A pergunta para mim era óbvia. Pela avenida do Brasil deviam de ser uns oito quilómetros, por aqui pelo lado do bairro Precol talvez nem um quilómetro.A pergunta para ele fazia todo o sentido pois naquela data já nenhum branco se aventurava por ali!Ele me pusera a pergunta, por uma questão de segurança para mim. Eu por uma questão de lhe dar a entender que com ele não temia o que, era suposto temer,já que, a zona do rangel naquela área, estava em polvorosa. Pain vamos por aqui que é mais perto e contigo não tenho nada a temer. Ele percebeu o alcance psicológico do que eu dizia e lá seguimos. Logo que, chegámos á entrada do bairro, bem junto ao largo de terra batida da estação do Musseque recatada visualmente, uma patrulha fortemente armada e postada á entrada do bairro. O Pain só me disse em surdina Soares calma, eu olhei para ele; o rapaz era dum tom preto retinto, do tipo Cabinda mas tinha ganho nuances de quem tinha entrado em pânico. Num branco nestes casos é a palidez cadavérica que de si toma rosto, quando a patrulha nos mandou parar e pelo tom de voz do cubano, notei de imediato um gelo a percorrer-me toda a extensão espinha dorsal, sinal seguro de que também tinha entrado em pânico. O caso não era para menos, pois o soldado cubano que me interpelara, parecia uma árvore de natal, tal era a profusão de artefactos bélicos que, de cima abaixo o enfeitava. O ar quente do clima sentia-o agora gelado e o coração me batia com pancadas fortes e secas e ligeiramente acelerado, sentia-o nas têmporas. Devia estar branco como a cal. O soldado cubano, pois já eram eles que faziam o controle; em tom muito violento disse sai do carro imediatamente, filho da puta saí! À saída de Cuba para Angola deviam vir mentalizados que iam lidar com criaturas terríficas, Com a mesma violência verbal carregou: mãos em cima da cabeça, ao que anui de imediato, ainda tentei aquele lance do V da vitoria com os dedos acompanhado de um olá camarada que, usei com êxito muitas vezes mas agora jogavam-se já cartadas definitivas, onde eu já não tinha lugar, e nem era visto nem lembrado. notei pois que desta vez não resultou. O cubano devia de estar há dias em Angola, pois estava em marcha uma ponte aérea de Havana Para Luanda, ainda tentei falar, mandou-me calar de imediato, acto continuo Levantou o pé direito para trás como se estivesse para marcar um penalty futebolístico e fazia arremessos com o pé para a frente como se me fosse pontapear, isto para mim durou uma eternidade pois o gesto era acompanhado por estas palavras estás a olhar assim para mim seu filho da puta, ainda pronunciei mas já sem esperança nenhuma, O camarada Lopo do Nascimento, fiquei-me por ali pois o tom violento era a constante. Estava pois suspenso do destino! Quase que não ouvi o Paín que em pânico dizia ao cubano: camarada não faz mal ao homem ouviste onde está o comandante da patrulha quero falar com ele, o cubano indagou quem és tu, o Paín returcou sou o camarada Prado Paín da delegação do Marçal,do MPLA! O cubano anuiu; começou ali uma lenga lenga em Kimbundo entre o Pain e comandante da patrulha que se tinha aproximado. Estes segundos me pareceram horas, meu cérebro voou para além do tempo via-me já na Dona Amália de onde não mais sairia, ou dali para a praça de touros onde seria executado. Era o que se constava em Luanda desde Junho de 1975. Instalou-se uma acalmia, o ambiente estava de cortar á faca dezenas e dezenas de miúdos e graúdos preenchiam o vasto largo da estação olhavam para mim eu era o centro era como se estivessem á espera de alguma ordem. Eu que conhecia bem a convulsão que estava em marcha, sabia que se fosse alvo de um murro ou coisa assim era o fim. Fazia lembrar aqueles filmes de cowboys quando o artista preso ao pau no meio da aldeia espera o escalpe dos índios. Mas felizmente nada disso aconteceu. O cubano voltou á carga mas para indagar como é que eu conhecia o camarada Lopo do Nascimento, respondi que era da Empresa de cerveja onde ele era um alto quadro superior, foi assim que eu falei,e ainda juntei que era um subalterno dele, Falou para além, talvez para o comandante da patrulha. Segundos volvidos me disse desta vez já apaziguador, pronto camarada descontrai que está tudo bem. A sensação que senti seria a mesma que um balão de ar quando picado, e senti toda aquela energia negativa que se tinha apoderado de mim a volver em forma de tranquilidade e sossego, ainda disse coisitas sem nexo. O cubano disse podem seguir camaradas! Eu e o Pain entrámos no carro neste momento um nervosismo tomara conta do Pain, pois o carro não pegara, eu só lhe dissera de surdina embora Pain então! O carro não pegou á primeira nem á segunda vez, pareciam horas mas lá pegou mal á terceira vez, até deu raters, mas enfim lá começou a andar no meu íntimo ainda esperei pela rajada de metralhadora! Caso acontecesse não era uma situação virgem, mas Deus passara por ali naquele momento. Chegados á rua das Beiras o Pain viu tudo, indagou-me se eu não queria dinheiro ao que respondi; Pain se quiser levar tudo pode levar. Diz que me ia pôr na Alameda e que ia a casa e depois mais tarde lá ia buscar buscar as coisas. No dia seguinte na empresa em conversa sobre o assunto comigo, ainda me disse Soares eu fiquei com mais medo do que tu! Então porquê Pain? Eu tremia quando eles disseram para abrir a mala do carro e começaram a revistar tudo, mas esse medo não residia no meu carro, mas sim quando ele começou a abrir o teu saco, já viste se calhas a ter lá propaganda política da FNLA ou da UNITA. Paín o Soares não guarda dessas coisas; ainda bem senão você e eu não saiamos vivos dali.
Esta foi a última vez, não mais meti o pé na argola.